Biage-Ifá: Relações Elementares (1)

Por Aralotum

Estendendo nossos ensaios sobre o Oráculo, pouco conhecido, como Biage-Ifá, e sua aplicação mágico-oracular através de um cabalismo profundo encontrado nas religiões afrobrasileiras, lembro que o Biage-Ifá é somente a ponta de um iceberg de conhecimentos encontrado nas águas límpidas do saber da Tradição Antiga. O conhecimento sobre Ifá é muito maior do que possamos imaginar. Naquilo que há de mais essencial, Ifá nos traz a contemplação dos mistérios que deram origem ao Universo e a toda existência.

O Biage-Ifá é o que existe de mais básico na tradição oracular mantida pela Umbanda Esotérica, quer os iniciados mais dogmáticos aceitem e reconheçam isso ou não. Isso, porque, toda a metodologia oracular africana (e não só africana) tem como base as características originais do Biage: os quatro elementos (Ar, Fogo, Água e Terra) mais o Éter, que é a origem de todos eles.

Relembro que o Biage-Ifá é consultado usando 4 objetos (obis, côcos ou búzios) e tem cinco variáveis (ou caídas) resultantes de suas combinações entre objetos abertos e fechados, vamos nos aprofundar um pouco mais em cada uma delas e seus diferentes significados e possibilidades:

Aláfia – 4 abertos

Aláfia pode ser traduzido livremente como alegria suprema, plenitude, ou ainda, alegria vinda da divindade. Fala sobre a origem da existência, do espírito e da consciência. Indica espiritualidade aflorada, mediunidade e boa sorte. Caracteriza-se pelas qualidades de todas as 400 divindades da criação, que representam o Espírito e deram origem a toda existência, conhecidas como Imoles ou Orixás Funfun. Sua saída no jogo prenuncia plenitude e grande satisfação.

Otawa – 3 abertos e 1 fechado

Otawa fala sobre o início e o desenvolvimento. Como há 1 objeto fechado, indica que há alguma dificuldade, natural ao processo de início e desenvolvimento, que é superável com a aplicação da vontade e do trabalho. Indica algo que demanda certo esforço para realizar. Otawa caracteriza-se pelas qualidades das divindades guerreiras, divindades que segundo seus mitos foram responsáveis pela caça, pela pesca, pela agricultura e pelo desenvolvimento tecnológico da humanidade. Portanto, caracteriza-se pela busca e manutenção da subsistência. Sua saída no jogo prenuncia satisfação mediante esforço, implica trabalho e indica uma nova iniciativa a ser desenvolvida.

Ejifé – 2 abertos e 2 fechados

Ejifé fala sobre a maturidade, o equilíbrio e a segurança. Determina segurança absoluta sobre a jogada anterior ou qualquer coisa que se queira confirmar. Caracteriza-se pelas qualidades das divindades que, simbolicamente, são o meio entre dois lados e, principalmente, pelas divindades ligadas a justiça e o estabelecimento da civilização nas sociedades. Sua saída no jogo prenuncia segurança, justiça.

Okaransodé – 1 aberto e 3 fechados

Okaransodé fala sobre a senilidade, limitações, dificuldades e o que leva ao término. Indica muitas dificuldades naquilo que se quer saber. Quando se trata de saúde, indica doença. Caracteriza-se pelas qualidades das divindades ligadas a velhice, a cura, a sabedoria e ao que conduz ao fim simbolizado pela morte. Sua saída no jogo prenuncia insatisfação e insegurança, pela proximidade do término, implica cuidados e atenção especial e indica e o possível término de uma iniciativa que ainda está em desenvolvimento.

Oyeku ─ 4 fexados

Oyeku fala sobre o final de um ciclo, a morte e a ancestralidade. É o oposto de Aláfia. Indica a influência de algum espírito desencarnado e pode ser um presságio de morte. Caracteriza-se pelas qualidades de Iku (a morte), dos Eguns (espíritos desencarnados) e das Ajés (as bruxas ou feiticeiras). É sinônimo de tristeza, fim, morte, rompimento.

Estas são algumas características básicas das caídas do Biage, cada uma delas ainda pode ser interpretada de 16 maneiras diferentes, de acordo com a forma geométrica que formarem quando caírem, tando um total de 80 possibilidades interpretativas. Essas formas geométricas são chamadas Apere e estão relacionadas com as 16 divindades principais do método do Opon-Ifá da Umbanda Esotérica e os 16 Odus de Ifá da Tradição Africana. Essas relações acontecem através de algumas amarrações que, por enquanto, é inapropriado que venham a público.

Notem que toda essa sistemática do Biage-Ifá ─ assim como todo o complexo Sistema de Ifá e qualquer outro método divinatório que se prese ─ começa sobre o conceito de dualidade. Observamos isso em vários momentos mas, principalmente, pela utilização de objetos com um lado côncavo e outro convexo, um aberto e o outro fechado. Representando, o lado aberto, o poder masculino, elétrico, ígneo, representando o Espírito e aquilo que dá origem à existência; e o lado fechado, representando o poder feminino, magnético, telúrico, representando a Natureza e aquilo que gera, mantém, mas também pode interromper e destruir.

Sendo assim, notamos uma base chave para a interpretação de qualquer sistema oracular validado pelo conhecimento cabalístico: a base binária. Todo sistema oracular, baseado em uma sistemática esotérica mais profunda, começa a partir dessa base binária. Por quê? Porquê a origem da existência – e da realização – está na dualidade, na relação entre o masculino e o feminino, tendo como elemento gerado, o próprio destino dos seres. Ou seja, o destino está ligado à interação, a nível energético, das relações entre essas duas forças durante a existência.

Essa base binária gera toda a existência e as histórias dos destinos. Podemos entendê-la e relacioná-la ao Princípio Espiritual ou Masculino e ao Princípio Natural ou Feminino. O resultado da interação entre os dois é o Princípio Gerado ou Manifesto na forma, ou seja, a próprias existência e o destino dos seres. Essa existência é formada, basicamente, da pelos 4 elementos (Ar, Fogo, Água e Terra) mais o Éter, que caracterizam bem cada uma das caídas.

Dessa mesma forma, a interação entre esses quatro elementos dão origem aos Odús de Ifá (4 x 4 = 16). Aí não fica difícil supor que cada Odú carrega em si as características de dois elementos, um ativo e um passivo,  e que esses elementos são relacionados com alguns Orixás e etc.. Por isso, dissemos que toda a metodologia oracular africana se baseia nas características básicas do Biagê, ou seja, essas relações contidas no Biage são a origem e a fonte de todo o sistema divinatório africano herdado pelo Brasil e guardado ainda por poucas pessoas.