
Por Aralotum
A umbanda nasceu como um movimento religioso baseado na manifestação de vários espíritos que, sob suas roupagens, deliberam os ditames, as regras, os ritos, a doutrina, a disciplina e tudo aquilo que forma a base de qualquer agrupamento umbandista. Tem como ponto histórico a manifestação do Caboclo das Sete Encruzilhadas, que promoveu a organização da Umbanda enquanto movimento. Mas Umbanda não limita-se a isso, sua natureza democrática permite a comunicação com todas as formas de conhecimento, tornando-se assim sua síntese e o caminho por onde eles se convergem. Em sua doutrina mais secreta, a Umbanda guarda chaves de conhecimentos tão antigos quanto a própria humanidade, chaves sem as quais tais conhecimentos se perderiam por completo no fetichismo popular de todos os tempos. Essas chaves são usadas nos processos mágico-mediúnicos no interior dos templos através de símbolos tão simplistas que poucos conseguem compreender sua profundidade, caindo, a grande massa, no mesmo fetichismo.
É de censo comum que a Umbanda teve seu inicio em 1908 com o médium Zélio de Moraes, médium cuja manifestação de seu mentor deu origem e forma ao movimento umbandista. Porém, espíritos de índios caboclos, pretos velhos e crianças já vinham se manifestando desde sempre nos cultos remanescentes dos indígenas e dos povos africanos, naquilo que chamavam popularmente de “macumba”. O preconceito imposto pela Igreja e a supressão da religiosidade afro-ameríndia deu origem: de um lado, ao sincretismo; de outro, a inserção de elementos católicos nas liturgias tradicionais. Ambos geravam a descaracterização – e até perdas – de parte de seus cultos originais. Neste cenário estavam os Candomblés de Caboclo, o Tambor de Mina, o Batuque, o Xangô, o Omolocô, a Jurema, o Terecô, o Catimbó e etc., cultos que miscigenavam a própria cultura religiosa tradicional do negro ou do índio entre si e entre a cultura branca.
Neste cenário de total incerteza, de cultos preconceituados e à margem das esferas sociais, assaltados por aproveitadores que vendiam a fé (e que infelizmente vemos ainda hoje), eram poucos os sacerdotes que se propunham a manter um trabalho honesto sobre a espiritualidade, esses poucos foram os que mais sofreram com os abusos e a repressão da Igreja, da polícia e do Estado. Na impossibilidade da proliferação do trabalho para seus espíritos atuantes nessas “macumbas” e nos ditos centros espíritas, nasce a Umbanda como a primeira religião legitimamente brasileira¹.
A Umbanda reúne elementos da cultura africana, indo-européia e indígena, claramente expressos na própria forma de apresentação dos espíritos que nela se manifestam: caboclos, pretos velhos e crianças. Cada uma dessas formas de apresentação velam, além de características raciais, verdadeiros arquétipos universais, exemplos da mais da mais alta expressão da espiritualidade na Terra.
É preciso que olhemos a manifestação dos espíritos na Umbanda, não pela forma, mas pela essência, conteúdo e profundidade que ela se apresenta. As Crianças, cujo o arquétipo e a manifestação trazem-nos a ideia de alegria e pureza, representam também o início da vida, o início do ciclo e seus trabalhos são sempre voltados à melhora emocional. Os Caboclos, que se manifestam, comumente, como índios, são ancestrais da nossa Terra, são ancestrais do povo brasileiro e da raça vermelha, seu arquétipo e sua manifestação nos trazem a ideia do homem simples e forte; representam a maturidade, por isso estão ligados a nossas ações em geral. Os Pretos Velhos, ancestrais da raça negra, seu arquétipo e sua manifestação exprime a ideia do homem sábio e humilde, representam a senilidade e seus trabalhos estão ligados à nossa estrutura mental.
Através das próprias formas de apresentação dos espíritos principais que compreende seu culto (Crianças, Caboclos e Pretos Velhos) a Umbanda promove, por si só, a convergência de culturas diferentes sob arquétipos que são universais e representam os princípios mais básicos da moralidade cristã: a pureza, a simplicidade e a humildade, e, também, a alegria, a força e a sabedoria, atributos que buscamos alcançar através deste caminho.
Essas três formas arquetipais se relacionam profundamente com as bases da magia. E a magia, por sua vez, deu origem a ciência. A química surge da alquimia, a astronomia surge da astrologia, todo o conhecimento moderno que se desenvolveu sobre farmácia, medicina, engenharia, matemática, já era de poder do sabeísmo egípcio e dos povos africanos (negro) e, antes disso, dos povos pré-históricos das Américas (vermelhos). Figuras como Pitágoras, Sócrates, Platão, Aristóteles e outros sábios estudaram com os negros em colégios egípcios.
Os povos de raça branca, porém, nos trouxeram o gosto pela arte, pela música pele a poesia. Podemos ver o quão intrincado isso era na a religiosidade ariana que foi levada para a Índia, aonde as escrituras sagradas eram cantadas em versos. Claramente, podemos ver a arte tão inerente aos povos brancos nos mitos de Orfeu, nas obras de Homero e até os diálogos de Platão tem um apelo teatral. Os povos orientais, de raça amarela, nos trouxeram a mais pura filosofia.
Sobre o pouco que foi explanado acima, reunindo alguns aspectos superficiais sobre os assuntos, podemos propor que o conhecimento humano se baseia em 4 pilares: religião, arte, ciência e filosofia. A Umbanda se encontra bem no meio disso, não como movimento religioso, mas como religiosidade! A relação com o Sagrado, na Umbanda, não tolhe a relação com nenhum desses pilares básicos do conhecimento humano, pelo contrário, acrescenta, explana e aumenta os horizontes.
Sobre a religião, a Umbanda é a única que agrega em si práticas de todas as religiões no Brasil, de maneira que elas não se conflitem dentro do próprio movimento, promovendo uma verdadeira convergência de ritos, culturas e conhecimentos tradicionais. Isso quer dizer que não existe, dentro da Umbanda, um lugar igual ao outro, a Umbanda respeita a diversidade e permite que se realize vários tipos de ritos, de acordo com a necessidade de cada local. Sobre a arte, a Umbanda se manifesta através de seus ritmos, de suas danças e de sua músicas, orações que, quando em sua pureza, são cantadas em verdadeira melodias de imensa profundidade. Sobre a ciência, a Umbanda se utiliza do poder das ervas em banhos, chás, defumações que surtem efeitos extremamente positivos sobre a saúde e o bem-estar. Sobre a filosofia, a Umbanda vem legitimando-se através dos seus vários grupos de pensadores que difundem a ideia de uma religião que é una. Neste cenário, a Umbanda, como religiosidade (independente de religião) figura como o único elo que liga a religião à ciência, a arte à filosofia.
Neste texto estamos falando ainda sobre os aspectos mais “palpáveis” da Umbanda, mostrando a Umbanda como a chave-mestra da convergência e do respeitos entre as diferenças, através das semelhanças. Dessa forma, a Umbanda é o único elo capaz de unir tradições espirituais e religiões distintas em um mesmo corpo de conhecimento, de maneira pacífica, coesa e justa.
Mais um excelente texto meu irmão, parabéns! Muito bom mesmo
Abraço, Araman