Carta aberta

Carta aberta

Por Me. Obashanan

Desde algum tempo venho conversando com nosso irmão africano Ayegba Abdullahi sobre a tradição que praticamos desde nossa infância e as relações ancestrais dos fundamentos praticados por nossa casa, com relação a Ayan. Essa conversa teve várias consequencias muito produtivas e positivas que relatarei no final deste texto, mas antes responderei definitivamente a algumas perguntas e mesmo a críticas que nossa pessoa vem sofrendo por outros desde há muito tempo. Senão, vejamos:

1) A tradição de nossa casa é fruto da minha vivência iniciática em vários setores das religiões afro brasileiras e uma delas foi a casa do Caboclo Arranca Toco, de minha primeira mãe de santo, Maria Helena Batista, que fazia uma Umbanda Milongada, ou seja, uma umbanda com aproximação dos cultos Angola/Congo, de onde recebemos muita influencia e muita ancestralidade. Por isso um de nossos ritos quando no comando de determinada entidade, possui, sim, características que se aproximam dessa vertente. Nesse mesmo terreiro, conhecemos mestre Barroso, o primeiro que nos falou da divindade Ayan, que ele chamava de “Yiê”, e que essa divindade e as características rituais do culto a mesma não vinha dos Bantu, nem dos Jeje, nem dos Yorubá, mas sim de um tal de povo “Gala”(como ele dizia), que era também da África, e do qual só vim a entender a pronúncia muito mais tarde, quando lá estive em intercâmbio, em 1988, sem saber direito das coisas e de lá vieram muitos objetos de culto que tenho hoje, que ficaram guardados até a hora de utilizá-los e re-ativá-los. Não, não existem fotos desta época, com exceção de intercâmbios na China e Irlanda (naquele tempo nem todo mundo tinha máquina fotográfica, um item caro. Não era como hoje, que qualquer celular tira fotos), mas existem os diários, que serão publicados em nosso livro sobre a divindade Ayan e a sua importância nas artes, dança, música, etc. Sobre mestre Barroso, que lavou minhas mãos em 1982, duas testemunhas vivas, meu irmão Marco Aurélio Ruffinn e minha antiga mãe pequena, Mãe Cida – hoje a maior autoridade de minha casa – são provas de sua existência.

2) Por isso, repito: não faço Candomblé, nem de Angola nem de Keto. Sou iniciado na Umbanda esotérica por três mestres-raiz (que também tenho provas e testemunhas, caso precisem), e sou iniciado na tradição do tambor, a tradição de Ayan. Em tempo, a manifestação de Ayra se deu há muito tempo, antes de ter terreiro, inclusive lá fora, espontaneamente e isso não cabe a mim julgar nem permito que julguem. Não faço nem ensino o que não sei, não vendo peixe podre e não fico ostentando título que não possuo como muitos fazem e fizeram. Meus ritos de Xangô seguiam os fundamentos egípcios, como mandam as minhas tradições e cumpri os 21 ritos segundo os arcanos maiores e seus misterios. Ritualizei nesse período, seguindo vários atos de aproximação com irmãos de outras casas – de Umbanda e Candombles – e sempre deixei isso público. Findados os 21 anos, o mundo espiritual e os ancestrais mandaram encerrar esses ritos e iniciar os ritos de Ayan. E só agora que, como veremos, surgiram os porquês, até mesmo para minha compreensão.

3) Me questionaram, inclusive pessoas do culto Congo/Angola, porque entoamos cânticos de várias tradições. É simples: Ayan é a divindade de todos os cânticos invocações e de todos os tambores. Temos ritmos, rezas e cânticos para a cabeça, para a hora de comer e até para tomar banho. É nossa obrigação aprendê-los, o máximo que pudermos, pois somos essencialmente uma tradição de músicos. Aprendi com mestre Barroso que músicos rituais tem de saber o máximo de invocações que puderem, pois naquela época éramos solicitados em várias casas. Ainda é assim aqui no Brasil. Cantamos de tudo um pouco e de tudo um muito. Dou como exemplo paralelo, o culto de Ifá, onde se aprendem vários oráculos com uma só divindade patrona. Respondido.

4) Já me questionaram também, com ironia, duvidando de minha iniciação no tambor. Para estes só posso responder que iniciação se dá principalmente na prática ritual. E além dos fundamentos, posso exemplificar tocando e pedir, de volta, que toquem como eu. E humildemente expliquem a mim o que fazem. Falar é fácil. E é fácil falar sem ouvir a resposta. Fundamento de tambor é, acima de tudo, comunicação. E eu não falo sozinho.

5) A tradição que venho resgatando por mais de trinta anos é um mosaico espalhado por vários lugares do mundo antigo e no Brasil, alguns ecos tiveram de ser resgatados, que vão desde o Tambor de Mina, até o Batuque do Sul, com pesquisas com autores cubanos, ingleses, americanos. E com a minha vivência com incontáveis tocadores do Brasil, Cuba e até do Senegal e da Argélia, como mestre Guem que muito me ensinou. Não posso negar que a Umbanda esotérica, de origem egípcia, se encaixou perfeitamente na tradição de Ayan, já que ambas possuem a mesma origem. Para explicações e provas sobre essa verdade me procurem os doutos e os campeões do santé.

Isso posto, voltemos ao ponto de início. Meu diálogo com meu irmão Ayegba me fez entender as mesmas origens de minha ancestralidade e de minha casa. Os Igala descendem dos egípcios, referem-se a Ayan com os mesmos fundamentos que aprendi e a chamam de Iyê Unyejima, divindade do povo Igala, exatamente como Barroso dizia. Ayegba escutou os cânticos que entoamos e que também são encontrados em Trinidad Tobago e reconheceu o idioma de seus ancestrais. Curioso, perguntei a ele se ele era sacerdote. E qual não foi minha surpresa quando ele me disse que é embaixador do rei de Igala e está realizando o trabalho de resgatar as tradições e o povo Igala espalhado pelo mundo. Disse a ele que aqui no Brasil somos mestiços, tenho ascendência indígena, européia e africana. Ele me respondeu com muita sabedoria, que sangue não é só físico, mas também cultural e que a alma migra por vários corpos levando a verdade dos ancestrais. Há algum tempo e recentemente o Caboclo Aymore, ancestral maior que nos assiste disse que os tambores que tocam aqui iriam ser ouvidos pelos tambores além da grande água e eles responderiam.

Essa semana, em lágrimas recebo de meu irmão Ayegba, este documento oficial, autorizando nossa casa e nossa pessoa a representar o povo Igala no Brasil, pois nossos ritos, fundamentos e tradições são os mesmos. Não gosto de ficar mostrando documentos nem provas disso ou daquilo, como muitos fazem e fizeram. Não gosto de gerar desconforto em ninguém. Ninguém é obrigado a acreditar em ninguém. Ninguém precisa provar nada a ninguém senão a sua consciência e a Deus. Este é o fim de uma estrada que foi duramente construída. Talvez o começo de outra. Ayegba se tornou um grande amigo e me apresentou mais de trezentos amigos que receberam a mim e meus filhos com afeto, carinho que jamais recebi de muitos que se diziam meus parentes de religião. Exceções feitas a Douglas Garcia Neto e Roger Soares, estes dois sacerdotes exemplares, que me orientam em Ifa e na Umbanda, dois mestres irmãos que sempre estiveram ao meu lado, um acudindo ao outro em momentos delicados. Sermos hoje reconhecidos como da Nação Igala só reforça nosso respeito por todas as tradições existentes que lutam a tanto tempo em nosso país por respeito e espaço.

É com grande honra, que eu, minha casa e meus filhos nos compreendemos como descendentes dos Igala, meu querido Ayegba! Você se tornou um grande irmão de alma e nos reconectou com nossa pátria espiritual perdida. Só tenho a agradecer a você e a nosso rei por este novo caminho!

NAGO ONUKUMI!!!
NAGO IGALA!!!
OLAFIA!
AYAN IYE UNYEJIMA ABENÇOEM NOSSA ANCESTRALIDADE!

Me. Obashanan recebendo a sua nomeação como Onu/Rei Igala no Brasil
(Acervo Pessoal)

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