José Pelintra: De Rei do Catimbó à Chefe da Linha dos Malandros

José Pelintra: De Rei do Catimbó à Chefe da Linha dos Malandros

José Pelintra – o Rei das Tribos do Catimbó – é uma das entidades mais populares dos cultos de matriz afro-ameríndias. De norte à sul do país, ele está por todos os lugares, no Brasil todo. Apesar disso, muito pouco se conhece a respeito das suas manifestações, que transcendem os dogmas religiosos. Muitos dizem que são seus médiuns, tantos outros dizem que ele não “baixa” mais. Fato é que, entre o Mestre de Jurema e o Malandro carioca, existe uma construção do saber popular que passa, obrigatoriamente, pela ancestralidade e pela migração da Encantaria nordestina para o sudeste, no final do século 19 e começo do século 20.

Neste artigo vamos explorar as diversas manifestações de José Pelintra e como ele veio a ser uma das entidades mais populares e respeitadas do Brasil inteiro.

Sumário

  1. Sumário
  2. Quem Foi José Pelintra?
  3. O Que José Pelintra Não é
  4. Mitos de Origem e Divergências
  5. José de Aguiar: o Mestre Preto José Pelintra
  6. José de Santana: O Mestre do Chapéu de Couro
  7. José dos Anjos: o José Pelintra da Bahia
  8. José Francisco: o José Pelintra do Rio Grande do Norte
  9. José de Alencar: o José Pelintra da Encruzilhada
  10. José Gomes: o José Pelintra da Lapa
  11. José Pelintra da Silva: Um Mito em Construção
  12. Dr. José Pelintra, o Médico dos pobres e advogados dos oprimidos
  13. José Pelintra na Cultura Popular
  14. Trages de José Pelintra, o Rei da Malandragem
  15. A Família Pelintra e Falange dos Malandros
  16. Conclusão

Quem Foi José Pelintra?

Aqui já começa as dúvidas e divergências, pois não existe consenso a respeito da sua origem. Também não existem registro históricos sobre a sua vida em terra. Podemos contar apenas com a tradição oral, na afirmativa que de ele realmente existiu como um ser encarnado, foi Mestre de Jurema, fez muitos discípulos e modificou o ritual do Catimbó para algo mais próximo do que conhecemos hoje – com o uso de tambor, dança e cachaça.

Particularmente, eu já ouvi muitas histórias sobre “Zé Pelintra”. Já me apresentaram ele com vários nomes e tendo vivido em vários lugares – do Rio Grande do Norte à Paraíba, Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. Cada tradição de culto familiar possui o seu mito de origem a respeito dessa entidade, que nem sempre pode ser a mesma, diga-se de passagem.

Existem vários “Zé Pelintra” e várias entidades que se manifestam sob essa alcunha sagrada. Existe o José Phelintra (sim, com ph), o José Pelintra, o José Pelintra de Aguiar, o José Pelintra de Santana, o José dos Anjos Pelintra, o José Pelintra da Encruzilhada, o José Gomes Pelintra e deve haver outros que ainda não conhecemos. Isso, sem falar no Zé Pelintra “quimbandeiro” que baixa nas bandas do sul e do sudeste “fumando um bagulho”, armado de revolver e fugindo da polícia.

Este último, sendo uma manifestação completamente estranha às práticas espirituais sérias e responsáveis, pode ser encarado como um legítimo kiumba de marca maior. Um ser das trevas que adentrou aos terreiros utilizando o imaginário popular do malandro, mas que mente, engana, sexualiza, usa substancias ilícitas durante as sessões e está metido com o banditismo. É preciso separar o joio do trigo, nenhum espírito bom se manifesta dessa forma, como um embusteiro.

O Que José Pelintra Não é

A primeira vez que eu ouvir falar sobre José Pelintra foi num certo em que o autor afirmava que o nome Pelintra ou Pilintra era uma corruptela da palavra pilantra. Portanto, na visão dele, José Pelintra era um espírito de baixa estirpe, de baixa vibração, um kiumba, como o que falamos anteriormente. Obviamente, isso não é verdade.

Consideramos essas distorções como sendo, em parte, fruto do racismo religioso, que sempre satanizou as práticas espirituais afro-ameríndias. Por outro lado, também há os incautos e malfeitores, que são minoria, mas que por afinidade vibratória se associam e dão manifestação a uma corja de seres que fazem jus a essa má fama. A prova maior dessas distorções está no dicionário e nos significados que a palavra pelintra tomou ao decorrer do tempo, se tornando pejorativa, como um reflexo desse imaginário negativo.

Segundo o dicionário Priberam da língua portuguesa, a forma pelintra pode ser um verbo, adjetivo ou substantivo de dois gêneros. Pelintra pode significar:

  • Quem é pobre ou mal vestido, maltrapilho, miserável;
  • Quem é pobre ou mal arranjado, mas tem pretensões de fazer boa figura;
  • Quem demonstra avareza, sovinice, mesquinharia;
  • Quem não sente vergonha ou constrangimento por atos censuráveis ou condenáveis;
  • Reles, ordinário;
  • Que anda bem trajado.

Em resumo, a palavra pelintra foi usada para descrever uma pessoa pobre, mas que aparenta um status social mais elevado – o típico malandro. Mas esse foi um significado atribuído pela presença da entidade e não o contrário, durante meados do século 20. Essa palavra não existia no português colonial e era, tão somente, um sobrenome pouco comum de origem portuguesa.

O sobrenome Phelintra deu origem a Felintra e Filintra, mas também a Pelintra e Pilintra. Todos usados até hoje como sobrenome familiar, tanto no Brasil como em Portugal. E como sabemos, segundo a tradição oral, em dos mitos de origem, José Pelintra era filho de um português. Essa é, possivelmente, a origem verdadeira do nome Pelintra, não tendo nada a ver com pilantragem ou algo que o valha.

Portanto, JOSÉ PELINTRA NÃO É UM KIUMBA, não é um Mestre das Trevas, não faz maldades e injustiças. Ao contrário do que supõe o crivo popular (e nada esotérico), Zé Pelintra não leva ninguém à beberagem e à drogadição, nem ao jogo ou à promiscuidade. Pelo contrário, os seus trabalhos visam justamente retirar as almas dessas condições. JOSÉ PELINTRA É UM GRANDE MESTRE RETIFICADOR, médico dos pobres e advogado dos injustiçados.

Seu doutor, seu doutor
Bravo senhor
Zé Pelintra chegou
Bravo senhor
com os poderes de Deus
Bravo senhor
Zé Pelintra sou eu
Bravo senhor

Mitos de Origem e Divergências

Eu já ouvi vários mitos de origem a respeito dessa entidade, mas não se sabe quem ele foi exatamente. Há quem diga que o incorpore, mas também há quem diga que ele não baixa mais. Há quem diga que ele é filho do Mestre José Felintra, há quem diga que é irmão e ainda outro dizem que é pai. Em algumas história, ele é filho de um preto com uma índia; em outras, de uma preta com um português.

A história de outros mestres e personagens que trabalhavam com ele se confunde com a sua, pois era comum as pessoas substituírem o próprio nome pelo nome do seu Mestre, Guia ou Mentor. Resta, portanto, o trabalho de busca pela origem dessas diversas manifestações, utilizando-se da tradição oral que chegou até nós e das referências trazidas por essas entidades em suas histórias de origem e pontos cantados.

É muito comum ouvir a afirmativa que ele é um mestre que trabalhou tanto na luz que “subiu” para o Descanso da Jurema, onde moram os Santos e os Mestres Iluminados. Talvez essa seja uma forma de não explicar as suas origens e, ainda assim, abarcar todas as suas formas de manifestações populares. Pois, essas manifestações são seriam vistas como o José Pelintra “original”, mas sim de seus diversos enviados ou falangeiros.

Segundo algumas tradições, depois de subir para o Descanso da Jurema, José Pelintra teria enviado o seu irmão, José Felintra, para substituí-lo nos trabalho. Pelintra, por sua vez, agora sem a necessidade de incorporar, só atuaria “do alto”, guiando e comandando a falange de mestres que manifestam com o seu nome.

Porém, em outras tradições, ele se manifesta e trabalha em terra, sempre na luz, curando e vencendo demandas e malfeitos. Mas, quem foi o primeiro José Pelintra? É difícil dizer. Há uma linha tênue em que Pelintra e Felintra se confundem, pois há o Mestre José Pelintra e o Mestre José Felintra. São dois mestres diferentes, mas ambos os nomes são variações de um outro mais antigo: Phelintra, o qual se escreve com P mas se lê com som de F.

José de Aguiar: o Mestre Preto José Pelintra

A primeira história que eu ouvi de um antigo Mestre é que José Pelintra era irmão de José Felintra e do Cego Velho, outros dois mestres juremeiros. Nascido em Estiva, município de Alhandra, ele era um caboclo Tabajara, filho da Índia Tuyara e do Nego Ambrósio de Aguiar, ambos mestres juremeiros também. Alguns dão o ano do seu nascimento em 1808, outros em 1813 e para outros, ainda, teria sido bem anteriormente, em 1771.

Seu nome teria sido José Alves de Aguiar. Levou o apelido Pelintra devido a uma variação do sobrenome de seu parente, José Phelintra de Aguiar. Surge aí a diferença antiga que existe entre o Mestre José Pelintra de Aguiar (dito primeiro José Pelintra) e o conhecido Mestre José Felintra de Aguiar, tido como seu sucessor nos trabalhos de Jurema.

A sua história aparece em reportagens da revista O Cruzeiro, em 1975 e 1980. Depoimentos colhidos de antigos mestres juremeiros em Alhandra, dão conta de que José Pelintra teria vivido como agricultor, trabalhando na roça em propriedades particulares. Era discípulo do Mestre Inácio de Barros, caboclo Tapuya, e teria sido consagrado ao Caboclo Pinavaruçu, motivo pelo qual usava uma pena em seu chapéu.

Ele teria viajado muito pelo interior do nordeste fazendo a sua fama. Ganhou o título de Rei do Catimbó pela sua popularidade e por ter sido o primeiro Mestre a ser iniciado na Jurema de Caboclo, da raiz do Acais. Procurado por muita gente, foi ele quem incluiu o uso de tambores e outros instrumentos no rito de Jurema, além do uso da cachaça. Viveu até os 114 anos e foi enterrado na Cidade Sagrada da Jurema, um antigo cemitério de juremeiros em Alhandra, na Paraíba.

Também conhecido como Mestre do Chapéu de Couro, ele foi uma alma caridosa, não era alcoólatra e nem vivia no meio da malandragem. Era um caboclo sertanejo, ser humano comum e famoso por sua ciência na Jurema. Mestre de muitos outros Mestres que passaram a levar o seu nome.

Há um ponto que sustenta esse parentesco entre José Pelintra e o Cego Velho:

Cego Velho quando chega
Tem que saravá a Jurema
Faz o serviço bem feito
Cego da gota serena

Meu cachimbo é debochado
Mais debochado sou eu
Sou irmão de Zé Pelintra
Cabra que nunca morreu

Não se sabe se o José Pelintra, José Phelintra e o Cego Velho foram irmãos consanguíneos. Alguns mestres apontam que sim, outros apontam que eram amigos, primos ou parentes distantes. Há uma terceira linha de pensamento, muito popular em alguns estados, que diz que Felintra significa “filho de Pelintra”. Alguns atribuem a este último um sentido literal.

Algumas pessoas dizem que José Pelintra e José Phelintra se tratam do mesmo personagem. Não nego a possibilidade. Mas o que chegou até mim foi que, no passado, era comum o Mestre baixar identificando-se como José de Aguiar, apelido Pelintra e não Felintra.

Voa sabiá
Do galho da laranjeira
Que a pedra da baladeira
Está zuando pelo ar

Sou Preto José Pelintra
Nego do Chapéu de Couro
Aqui mesmo eu mato o cabra
Aqui mesmo eu tiro o couro

Quem quiser saber meu nome
Nem precisa perguntar
Eu sou o Rei do Catimbó
José Pelintra de Aguiar

Eu venho não sei de onde
Mandado não sei por quem
Venho fazer não sei o que
Para entregar não sei a quem

Não adentraremos nesses pormenores, mas é bem possível que o Mestre José Phelintra de Aguiar tenha sido o pai biológico do Mestre José Pelintra de Santana. Este, por sua vez, sobrinho do José Pelintra de Aguiar.

José de Santana: O Mestre do Chapéu de Couro

Neste outro mito de origem – muito mais popular, aliás – José Pelintra teria tido o nome carnal de José de Aguiar Santana, filho de José Phelintra de Aguiar (um homem português) e Maria de Santana (uma mulata). Ele herdara o sobrenome da mãe, mas o apelido Pelintra seria uma versão pejorativa do sobrenome do pai, herdado por todos da família.

Também chamado de José de Aguiar mas, principalmente, José de Santana (não confundir com o Mestre José Alves de Santana), a história desse mestre se confunde com a de e seu “tio homônimo” – o José Pelintra de Aguiar. Todavia, para fins didáticos, este José de Santana também é chamado de Mestre José Pelintra de Santana.

Ele teria nascido em uma data incerta, na Vila do Cabo de São Agostinho. Também discípulo de Mestre Inácio de Barros, todos os seus familiares próximos foram iniciados e se tornaram mestres encantados. São eles: José Phelintra de Aguiar (José Felintra – pai), Maria de Santana (mãe), Maria de Aguiar Santana (Maria Pelintra – irmã), Francisco de Aguiar Santana (Chico Pelintra – irmão) e Antônio de Aguiar Santana (Antônio Pelintra – irmão), José de Aguiar Santana (José Pelintra) era o caçula.

Algumas histórias dão conta de que após o nascimento do caçula, José Phelintra abandonou a esposa com a família e voltou para Portugal. Sem opção, a mãe Maria de Santana caiu na prostituição. José Pelintra e os irmãos “se criaram no mundo”. Na adolescência, ele teria ido morar na cidade de Afogados da Ingazeira e depois se mudou para Recife, onde morou na Rua da Amargura, antiga zona boemia da cidade.

Lá na Rua da Amargura
Aonde seu Zé Pelintra morava
Ele chorava por uma mulher
Chorava por uma mulher
Chorava por uma mulher
Que não lhe amava

Essa Rua da Amargura realmente existiu na antiga Recife. Era para onde iam as mulheres, homens e crianças marginalizadas e rejeitadas pela família. Eram, por exemplo, a Rua do Rangel, que durante o dia abrigava lojas de tecidos e quinquilharias, mas depois das 22h os artigos à venda mudavam, se é que me entendem. As outras seriam a Rua da Guia, a Rua do Apolo e a Rua do Bom Jesus. Esta última, hoje é cartão-postal do bairro revitalizado do Recife.

Foram nessas ruas que José Pelintra conheceu e se apaixonou por Maria da Conceição Alcantra, apelidada de Maria Luziara. Também Mestra de Jurema, filha do Mestre João Grande, sua família teria vindo da Lusitânia, por isso Luziara. Ela teria sido uma amante secreta do Rei Dom João VI que, após a sua volta para Portugal, se muda para Recife e cai na prostituição.

Como eu disse, a história desse Mestre se confunde com a do seu antecessor. Pois, muitos vão dizer que ele também era discípulo do Mestre Inácio de Barros, fora o primeiro Mestre iniciado na Jurema do Acais, consagrado para um Caboclo, usava uma pena no chapéu e morreu aos 114 anos.

José dos Anjos: o José Pelintra da Bahia

A Tradição conta que, depois da sua passagem, o primeiro José Pelintra – irmão de Felintra e do Cego Velho – se encantou e começou a baixar nas mesas de Jurema. Uma dessas pessoas que passou a recebê-lo mediunicamente seria José Aguiar Santos dos Anjos.

Ao que parece, ele era sobrinho de José de Aguiar Santana – o Mestre José Pelintra de Santana – e sobrinho-neto de José Alves de Aguiar – o Mestre do Chapéu de Couro, Mestre Preto José Pelintra, o primeiro Zé Pelintra. Este seria o mesmo Mestre José dos Anjos, que também pode se apresentar como José Pelintra dos Anjos (mas parece que existe um outro Mestre que se apresenta como José dos Anjos também).

Eu sou José dos Anjos
Que chegou na sua aldeia
Sete anjos me acompanham
Sete velas me alumeia

No caminho de Santa Rita
Passei pelos quatro cantos
Dando o nome de Pelintra
Mas meu nome é Zé dos Anjos

A história não conta quem foram seus pais e nem quem foi o seu Mestre, mas ele teria sido consagrado na Jurema ao Mestre Preto José Pelintra, que nessa época já começava a se manifestar em seus médiuns. Por essa razão, herdou o apelido de seu tio-avô e Mestre Encantado, José Pelintra, tendo assim ficado conhecido pela cidade do Recife.

Conta este mito de origem, que José dos Anjos teria nascido no povoado de Bodocó, sertão pernambucano. Fugindo da seca, a sua família migrou para Recife, capital de Pernambuco. Aos 3 anos, ele perdeu a mãe e o pai, que morreu de tuberculose.

Órfão, “Zezinho” foi adotado pelas prostitutas. Se criou na rua e cresceu no meio da malandragem, dormindo no cais do porto e sendo menino de recados. Sempre portava um punhal de aço que havia ganhado de um marinheiro inglês, com quem fez amizade.

Ganhou respeito quando, certa vez, com 19 anos, teve que enfrentar sozinho cinco policiais no Cabaré da Jovelina, no Bairro Casa Amarela, em Recife. Durante a confusão, um dos policiais teria recebido um corte no rosto, arrancando-lhe o nariz e boca. A polícia disparou doze tiros, mas nenhum acertou. Diziam que ele tinha o corpo fechado.

Antes que chegassem reforços, ele já havia fugido, saindo ileso. Se escondeu na casa do Coronel Laranjeira, um poderoso latifundiário que lhe dava proteção. Por conta do ocorrido, ganhou da polícia o apelido de José Pelintra Valentão. Em algumas histórias, ele teria fugido para Salvador, sendo chamado de José Pelintra da Bahia.

Tempos depois de sair do esconderijo, “Zé Pelintra Valentão” passou a fazer fama na cidade de Recife, ganhando a fama de brigão. Tinha várias amantes pela cidade, das quais ganhava dinheiro para a sua vida boêmia. Vestia ternos de linho branco, gravata vermelha e chapéu panamá. Sempre pelos bares e cabarés da cidade. Devoto de Santo Antônio, ele frequentava a Igreja Nossa senhora do Carmo, no centro de Recife.

A sua morte ocorreu misteriosamente. Contam que aos 41 anos, ainda jovem, José dos Anjos amanheceu morto, sem nenhum vestígio de ferimento. Zulmira, uma das suas amantes, teria feito um malefício contra ele, pois eles teriam tido um filho, que José se recusava a assumir. Assim, contam que Zulmira deu um prazo de sete semanas para que ele deixasse as outras amantes e fosse para a sua casa, no bairro de Tamarineira. Ele não foi e acabou sendo encontrado morto. Zulmira sumiu de Recife e nunca mais se soube dela e nem do filho

José Francisco: o José Pelintra do Rio Grande do Norte

José Francisco do Rio Grande do Norte, foi um outro Mestre que passou a receber o José Pelintra no Catimbó. Mas a história desse Mestre é desconhecida. Sabe-se que ele teria viajado para a Pernambuco e, supostamente, feito amizade com um sobrinho de José dos Anjos. Lá ele foi consagrado ao Mestre Preto José Pelintra – o primeiro Zé Pelintra. Por este motivo, José Francisco herdou o apelido de seu Mestre Encantado.

Eu rodei meu bom espaço
Numa hora ao meio-dia
Eu roguei todas corrente
Com o rosário de Maria

Sendo eu José Francismo
Por apelido Pelintra
Ainda meio aperreado
De uma vez eu mato trinta

Minha mãe pegou Zé
Sacudiu dentro do rio
Com uma pedra no pescoço
Para deixar de ser vadio

Minha mãe pegou Pelintra
Sacudiu dentro do poço
Com uma pedra no pescoço
Para deixar de ser teimoso

Neste ponto, supõe que o espírito de José Pelintra era indisciplinado. Alguns dizem que ele quando ele acostava, ficava muito tempo na matéria de seus médiuns e os levava para os lugares de boemia que costumava frequentar quando era vivo. É uma fantasia bastante comum de se ouvir, que o Zé Pelintra pega a cabeça das pessoas e leva eles para a farra e para a boemia. Mas isso não condiz com os trabalhos de Luz e Força feitos por este Mestre nas mesas de Catimbó-Jurema e na Umbanda.

José de Alencar: o José Pelintra da Encruzilhada

Não se sabe muito a respeito da história dessa Entidade, mas ele teria vivido no Bairro da Encruzilhada, zona norte de Recife. Maquinista de trem, teria trabalhado na Estação da Encruzilhada, localizada no bairro de mesmo nome.

Boêmio e namorador, era tido como amante das mulheres e defensor das prostitutas. É dito que ele não gostava de vê-las apanhando e, por causa disso, arrumou muita confusão, recebendo o apelido de Pelintra. A tradição oral relata que, quando em vida, ele teria sido discípulo do Mestre José Pelintra de Santana e, também por isso, recebeu o apelido de José Pelintra.

Eu não tenho cidade
Só vivo no mundo a girar
Me chamam José Pelintra
Meu nome José de Alencar

Eu trabalho no chão
Também trabalho sentado
Ah, mas eu sou
Zé Pelintra da Encruzilhada

José Gomes: o José Pelintra da Lapa

José Gomes da Silva é um personagem sem consenso sobre a sua história, mas sabe-se que foi o nome de um médium consagrado ao Mestre Preto José Pelintra. Eu ouvi várias versões da sua história. Ela se confunde com a dos outros “Zé Pelintras”, em especial com o malandro carioca.

A mais antiga conta que ele foi um maquinista de trem que trabalhou na Estação da Vila do Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco. Fazia um percurso que ligava Recife ao são Francisco. Ele foi um discípulo muito jovem da primeira Mestra Maria do Acais.

Essa parte da história é realmente confirmada. Segundo depoimento da segunda Maria do Acais, ele foi o primeiro a ser consagrado para o Mestre Preto José Pelintra na raiz de Jurema do Acais. Antes só se consagrava o discípulo para Caboclo, no caso, um Caboclo Índio. Mas, ele foi consagrado pela primeira Maria do Acais ao Mestre Preto José Pelintra, ganhando o apelido de seu Mestre e sendo chamado de José Pelintra ou José Gomes Pelintra.

Aos 17 anos se mudou para o Rio de Janeiro, em busca de melhores oportunidades na capital e vai morar no morro de Santa Izabel. Alguns dizem que foi no ano de 1917 e, outros, dizem que foi bem antes, em 1881. Dizem haver um registro dessa data, na Capitania dos Portos do Rio de Janeiro, com o nome de José Gomes da Silva, mas não puder comprovar essa informação.

Outra informação recente que anda circulando nas redes, é que José Gomes da Silva teria nascido em 28 de outubro de 1908, no estado de Alagoas. É uma informação bem confusa, pois não “bate” com as datas e os locais mais conhecidos as respeito da sua história. Parece haver uma tentativa de encaixar um terminado ponto cantado na história desse personagem.

Ô Zé, quando vem lá da lagoa
Toma cuidado com o balanço da canoa
O Zê, faça tudo o que quiser
Só não maltrate o coração dessa mulher

É extremamente comum as pessoas atribuírem este ponto ao Mestre José Pelintra, afinal ele é o “Zé” mais famoso. Então as pessoas sempre trocam a palavra “lagoa” por “Alagoas”, em referência ao estado que José Pelintra teria nascido. Mas, na verdade, este ponto é do Mestre José da Lagoa, um Boiadeiro Encantado que também pode se manifestar na “linha” do Zé Pelintra, como integrante da sua família ou falange.

Fato é que José Gomes Pelintra fez a sua fama nos bairros boêmios da Lapa, no Estácio, na Gamboa e na zona portuária da cidade. Teria vivido na “época de ouro” da malandragem carioca, entre os bares, cabarés e rodas de samba e capoeira. Foi ele quem teria levado a Encantaria e culto aos Mestres de Linha para a Macumba carioca, iniciando um “culto à malandragem” e aos espíritos que assim se identificam.

Morreu jovem, não se sabe como. A cultura popular atribui a data da sua morte como sendo o dia 07 de julho de 1920, constituído como oficialmente como Dia do Zé Pelintra, na cidade do Rio de Janeiro. Mas ninguém a qual Zé Pelintra essa data se refere. Alguns dizem que foi vítima de uma briga ou emboscada no morro de Santa Tereza, outros lhe atribuem uma morte misteriosa. Alguns dizem que ele não morreu, simplesmente sumiu, tornando-se um Encantado.

O morro de Santa Tereza está de luto
Porque o malandro morreu
Ele não morreu, ele desapareceu
Na decida da ladeira seu Zé Pelintra apareceu

Outro mito muito popular que recai sobre a figura desse José Pelintra é sobre o seu romance com Maria Navalha. Maria Navalha é outra figura cuja história vem tomado rumos controversos na cultura de terreiro, pois era conhecida antigamente como uma Mestra de Catimbó-Jurema. Uma Mestra “esquerdeira”, chamada Maria Anália, apelido Navalha. Começou a baixar como Pomba Gira na Umbanda do Rio de Janeiro e, posteriormente, como Baiana e Malandra.

Hoje, pululam histórias na internet sobre uma Maria Navalha nascida no Morro da Providência, prostituta de cabaré e amante de José Pelintra. Inclusive, em muitos terreiros, é a ela que atribuem a morte do malandro.

A figura de Malandros Encantados na Macumba Carioca começa com grande influência do José Pelintra, que trouxe toda a banda da malandragem pernambucana e nordestina para o sudeste. Com a morte de José Pelintra, começamos a vê-lo se manifestar com muita frequência nos terreiros do sudeste, juntamente com toda a sua família/falange, como malandro carioca. Primordialmente, baixava nas linhas de Baiano, Boiadeiro, Preto Velho e, principalmente, Exu.

Essas entidades começaram a aparecer nos terreiros do sudeste depois da década de 1950. Mas já eram muito populares no Catimbó há bem mais tempo. Registros de revistas da época mostram que, em 1975, José Pelintra já era uma entidade muito famosa em todo o sudeste, assim como no nordeste. Já havia múltiplas manifestações de José Pelintra e um debate modesto que apontava a sua origem juremeira.

Revista O Cruzeiro, ano 1975, edição 15

José Pelintra da Silva: Um Mito em Construção

Há um novo mito de origem em construção e que não possui nenhum referencial histórico, mas nos cabe o registro. Conta este mito que uma mulher pernambucana estava com problema de gestação. Em toda gravidez que ela tentava, acabava sofrendo um aborto espontâneo.

Levada por amigas até um juremeiro que trabalhava com o Mestre Preto Zé Pelintra, pediu para salvar o seu filho, pois nunca segurava uma gestação completa. O Mestre afirmou que a criança nasceria bem, seria um homem e seria seu discípulo.

Após o nascimento da criança, a família mudou-se para o Rio de Janeiro. O menino foi batizado com o nome José Pelintra da Silva. Na adolescência, entrou para a Umbanda e recebia o Mestre Preto José Pelintra.

Tinha a mania em querer se parecer em tudo com o Mestre, vestindo-se de terno branco, gravata e camisa vermelha e ou listada. Seu local preferido seria o Arco da Lapa no Rio de Janeiro, onde passou grande parte da sua vida boemia, e nos Morros. Após a morte, começou a baixar nos terreiros de umbanda como o Zé Pelintra da Lapa, malandro carioca.

Essa é uma história que eu, particularmente, acho bem mambembe, apesar de compreender o processo de construção de uma narrativa mitológica. Mas, enquanto as histórias antigas possuem datas, lugares e testemunhos mais consistentes, esta é uma narrativa que falta substância. Ela é oca e superficial, tendo aproveitado muito da história do José Gomes e sua conhecida vida no Rio de Janeiro, mas sem nenhum fato relevante.

Dr. José Pelintra, o Médico dos pobres e advogados dos oprimidos

Popularmente chamado de doutor, José Pelintra é sempre referido como protetor dos pobres e oprimidos. Alguns dizem que ele, realmente, foi um doutor e trabalhava no direito. Mas, como muitas coisas na vida desse Mestre, essa é uma informações que carece de fontes e confirmação. De toda forma, José Pelintra sempre foi reconhecido nas suas histórias como um grande curador. Protetor dos pobres e dos mais fracos, nunca gostou de injustiça e sempre aparece como defensor das “mulheres da vida”.

Contam os mais velhos que o José Pelintra de Santana teria ganhado a fama de doutor ao saber que a sua amada, Maria Luziara, tinha sido presa. Ele ficou sabendo que no cabaré da Rua da Guia houve uma grande briga em que Luziara foi o pivô, sendo levada para a delegacia e preza. José Pelintra vestiu a sua melhor roupa e se apresentou como advogado. Com a sua “lábia”, conseguiu enganar o delegado, que acabou liberando Maria Luziara.

Uma outra história muito popular conta que José Pelintra viu uma mulher em apuros, sendo assediada por um grupo de homens. Sem pestanejar, ele interveio e lutou com os agressores, que caíram em desgraça, garantindo assim a segurança da mulher. Há várias versões desse mito. Em uns seria uma única mulher, em outros uma mulher e uma criança; uns dizem que teria acontecido no Recife e outros em um morro no Rio de Janeiro. De qualquer forma, serve para exemplificar o trabalho de José Pelintra como um Espírito Protetor dos Pobre e Oprimidos.

As principais especialidades do trabalho de José Pelintra – qualquer um deles – estão relacionadas a questões que afetam, principalmente, a vida da pessoas mais pobres: cura, emprego, negócios e a proteção. Ele é um exímio curador dos males da alma e do sofrimento humano. Traz boa sorte no jogo e na relação com as pessoas. Trabalha muito positivamente em casos de dependência (seja ela química, alcoólica, afetiva ou sexual) e proteção contra violência, principalmente, em casos de violência contra mulheres, crianças e pessoas socialmente vulneráveis.

José Pelintra nunca apoia a injustiça e a violência contra aqueles que não merecem, mas é um defensor inveterado de seus protegidos. Quando o “Seu Zé” se apega a uma pessoa, por afeto, devoção e afinidade, vai ajudá-la em todas as áreas da vida, trazendo boa sorte e aliviando os sofrimentos da alma. São entidades que trabalham muito com as almas sofredoras e respondem muito positivamente à devoção das pessoas.

José Pelintra é um espírito muito popular na cultura brasileira. Ele marcou uma era e atravessou mais de 1 século de mudanças culturais. Tal foi a sua influência que a palavra pelintra virou adjetivo, substantivo e verbo (pelintrar), sinônimo de malandro, vadio, malfeitor, “pilantra”.

Inclusive, foi José Pelintra quem ajudou a estabelecer a figura do malandro na cultura brasileira. Mas de um malandro diferente do bandido. Um malandro benfeitor, bon vivant e mulherengo, é claro, mas que tenta se virar como pode com as dificuldades da vida, nem sempre de forma politicamente correta, mas que age de modo a aplicar a justiça em benefício dos mais fracos e oprimidos. O Pelintra se tornou um tipo de brasileiro.

O típico pelintra já estava inserido na cultura brasileira desde a década de 1850. Essa época apresenta um momento de importantes mudanças sociais, com a vinda da família real, a abertura dos portos, a urbanização de grandes cidades, a construção de linhas férreas e o processo de abolição da escravatura. Foi neste cenário que surgiu o pelintra, a reboque dessas tensões, como resultado da invisibilização e da precarização de certos setores sociais em um cenário de aparente desenvolvimento econômico.

Em 1842, o jornal satírico O Carapuceiro, redigido pelo padre Lopes Gama, descreveria “O que é ser pelintra?”. Segundo o artigo do padre:

“A roupa do pelintra é por via de regra tão estreita e apertada que parece grudada ao corpo de jeito que lhe constrange os movimentos. Traz pendente na algibeira do colete quando usa deste (porque muitas vezes anda sem ele) uma correntinha de relógio que preciso fora ver-se para se não julgar que é uma correntinha de candeeiro. O enorme charuto na boca é um traste indispensável, assim como uma gravata encarnada, azul, verde, amarela etc etc. do tamanho de uma toalha de mesa. Alguns há que já não usam de camisa de fazenda branca, senão de chita, ou de qualquer riscadinho. As suas maneiras são todas afetadas, e têm um certo palavreado que os denuncia de eminentemente leviano e insuportavelmente tolo. Picar cavalos, bolear com primor, engomar o assoalho com os pés nas monótonas quadrilhas, fumar, jogar e namorar tais são todo o mérito, todo o préstimo de um verdadeiro pelintra. O botequim e o teatro e as esquinas são o seu pórtico, o seu liceu, a sua academia, o seu ateneu.”

Já nessa época, o pelintra é descrito como um figura desfavorecida, de figurino exagerado e fala abusada. Um sujeito inadequado e paradoxal, que apesar de malfadado tentava emular os trejeitos da nobreza. Do botequim ao teatro, do teatro às esquinas, o pelintra reivindicava um estatuto que não lhe pertencia naturalmente, cujo endosso só poderia se dar fora dos espaços que frequentava.

Talvez o primeiro pelintra, no teatro, tinha sido protagonizado por João Caetano, em 1846, no teatro São Pedro de Alcântara. D. Cézar Bazin, um nobre bêbado, endividado e mal vestido, que protegia os fracos e oprimidos, salvava virgens ameaçadas e expressava em gestos caricaturais sua bravura cômica. Personagem exagerado, inspirado na descrição de Lopes Gama. É fácil identificar aí um tipo muito comum da cidade carioca.

No final do século 19,  Arthur Azevedo, realizaria uma releitura da tipologia, em sua peça O bilontra:

Se quer saber o que é bilontra,
é  bom que saiba, antes do mais,
que esta palavra não se encontra
no dicionário de Morais.
bilontrage é sacerdócio
que cada qual pode exercer;
entre o pelintra e o capadócio
o meio termo vem a ser.

Aqui, o pelintra tornou-se mera gradação do meio-termo “bilontra”, cujo escandir produz a mesma sonoridade. A comparação fica mais clara quando continuamos a leitura do versos seguintes:

Tipo de calças apertadas,
chapéu de fitas espantadas,
em cada pé bico chinês;
pode apostar, ó prima, contra
o que quiser que ele é bilontra,
se bem que finja ser inglês

Por sua própria característica, o pelintra sempre foi sinônimo de malandro, e se juntou com a figura dos bambas, capoeiristas e sambistas no início século 20. Desde então, o pelintra está indubitavelmente ligado à cultura negra. Veremos muito disso nos sambas de Noel Rosa, Bezerra da Silva, Moreira da Silva, Dicró e tantos outros, durante todo o século 20.

Passando do teatro e da música para o cinema, tal influência chegou até os Estados Unidos, durante a década de 1940, com o personagem Zé Carioca. Típico malandro, de nome e trejeitos inspirados no famoso Zé Pelintra. A sua primeira aparição foi no filme Saludos Amigos, do Pato Donald, onde Zé apresentou para ele a cachaça e o samba. O personagem ganhou fama no Brasil e manteve uma publicação mensal de revista em quadrinhos até 2018, pela Editora Abril.

HQ Anos de Ouro do Zé Carioca, 1989 – Editora Abril

Outro exemplo importante em que podemos ver a cultura da pelintragem é na Opera do Malandro, musical de Chico Buarque, de 1978. A peça, posteriormente transformada em filme, se passa no Rio de Janeiro dos anos 1950, em plena 2ª Guerra Mundial. É um retrato bastante fiel da sociedade brasileira daquela época.

Em 2016, Zé Pelintra ganhou a Marquês de Sapucaí, durante o Carnaval, e foi tema da agremiação Acadêmicos do Salgueiro. Inspirado no musical de Chico Buarque, o desfile causou uma celeuma na época. Na frente, Seu Tranca Rua e atrás dele o povo da rua, da curimba, da macumba, dos feitiços e catimbós.

A figura do pelintra sobrevive até hoje na cultura, potencializada pelas religiões de matrizes africanas, que se tornaram espaços comuns de convivência e religiosidade dos menos favorecidos. Hoje, há uma tentativa de ressignificação do que é ser pelintra e do resgate dessa tradição da malandragem – e não da bandidagem – como um ponto importante para a sobrevivência da cultura negra.

Trages de José Pelintra, o Rei da Malandragem

Hoje, a imagem popular do José Pelintra é fortemente atrelada à cultura da malandragem carioca, das décadas de 1920 e 1930. Terno de linho branco, camisa branca, vermelha ou listrada, gravata e lenço vermelho, sapato branco. Este mesmo estilo aparece nas histórias de José de Santana e José dos Anjos, em uma época anterior a essa, ainda em Pernambuco.

Mas nem sempre foi assim. Basta lembrar que o primeiro José Pelintra – o Mestre Preto José Pelintra – era um caboclo sertanejo. Portanto, os trajes que gostava de vestir nas suas primeiras manifestações era semelhante ao de um Baiano ou Boiadeiro: gibão, chapéu de couro com uma pena em homenagem ao Caboclo, lenço vermelho, anel e punhal.

Não atoa, as primeiras linhas em que José Pelintra começa a se manifestar na Umbanda são a linha Baiano e Boiadeiro e, posteriormente, Preto Velho e Exu. Com o tempo, José Pelintra foi incorporando as vestimentas típicas do malandro, mas sem abandonar o seu trabalho nessas linhas.

Vale a pena dizer que essa moda não nasceu no Brasil. Essa moda da malandragem foi inspirada no estilo zoot suit, tirado dos filmes de Hollywood que retratavam os gangsters americanos. Foi um estilo muito popular, a princípio usado pelas camadas mais pobres para aparentar a respeitabilidade e elegância que não lhes pertencia.

Com o tempo, a moda desse estilo foi exportada para outros países da América Latina. No Brasil, esse “conceito” de moda encontrou ressonância com o momento social em que estávamos vivendo. Com as adaptações da nossa terra, serviu perfeitamente para caracterizar o típico malandro brasileiro.

A Família Pelintra e Falange dos Malandros

José Pelintra é um Encantado, assim como toda a sua família. Os Encantados se organizam em famílias, cidades e reinados. E José Pelintra é o líder da Família dos Malandros ou da Família dos Pelintra. São esses espíritos que formam a sua “falange”, que manifestavam originalmente no Catimbó, tendo migrado com o José Gomes Pelintra para o Rio de Janeiro.

A princípios, esses espíritos se manifestavam na Umbanda junto com os espíritos de baianos e boiadeiros. José Pelintra, em especial, se tornou uma entidade muito famosa nas giras de Exu. Assim como Maria Navalha que, de Mestra catimbozeira, se tornou muito popular como Exu-Mulher. Posteriormente, começaram a apareceu outras manifestações dessas duas entidades, ligadas a determinados “reinos” e “pontos de força”.

Com o tempo, surgiram muitos Zé Pelintras e Marias Navalhas com sobrenomes “da Kalunga”, “do Cemitério”, “das Almas”, “da Estrada”, “da Lapa”, “do Morro”, “do Cruzeiro”, “do Cabaré”. Enfim, criatividade não falta para eles serem nomeados com base na mais absoluta imaginação sobre o trabalho dessas entidades. Mas dizem não ser o mesmo Zé e nem a mesma Navalha, mas “falangeiros” que trabalham sob suas ordens. Respeito, mas parece que esqueceram o nome das outras entidades que também se manifestam na chamada Linha dos Malandros. Vejamos algumas:

José Pelintra, José Felintra, Cego Velho, Índia Tuyara, Nego Ambrósio, João Pelintra, Antônio Pelintra, Chico Pelintra, Maria Pelintra, José Pelintra de Aguiar, José Pelintra de Santana, José Pelintra dos Anjos, José Gomes Pelintra, José Pelintra da Encruzilhada, Zé Bebinho, Zé da Lagoa, Zé Pretinho, Zé das Mulheres, Zé do Cais, Zé do Morro, Zé Enganador, Zé da Pinga, Zé Malandro, Zé da Luz, Zé Navalha, Zé Moreno, Zé Pereira, Zé de Légua, Zé do Coco, Zé Capoeira, Zé Baiano, Zé Boiadeiro, Zé da Mata, Maria Navalha, Maria do Morro, Maria do Cais.

No Rio de Janeiro, espíritos que foram cariocas e teriam sido da Macumba também começaram a se manifestar nessa “banda”. Entre eles:

Malandrinho, Miguel Camisa Preta, Camisa Vermelha, Camisa Listrada, Cordão de Ouro, Malandro da Estrada, Malandro da Lapa, Malandro do Pelourinho, Malandro da Praia, Malandro do Cais, 7 Navalhas, Zéfa da Lapa, Rosa Navalha.

Como podem ver, a presença de figuras femininas entre a malandragem é diminuta, quase inexistente. Na verdade, é porque os espíritos que se encaixam nessa categoria seriam os espíritos das antigas prostitutas que trabalhavam nas zonas boêmias dessas cidades. Muitas delas se manifestam como mestras de linha, ciganas e baianas.

Conclusão

José Pelintra é uma das entidades mais interessantes da cultura popular brasileira. Personagem fundamental na cultura do Catimbó-Jurema, da Umbanda e da Kimbanda. Conhecido e cultuado por todas “tribos”, até entre indígenas. Popularmente, diz-se que o terreiro que não cultua Zé Pelintra é fraco espiritualmente, pois ele é um guia de luz e muita força no astral.

A sua imagética é o reflexo de uma sociedade carente e desamparada pelo Estado. Um sujeito pobre, de trato fino, aparência extravagante e costumes marginais, porém justo e caridoso com os que merecem, que pune os malfeitores e protege os mais fracos. Personagem odiado, tanto pelas elites sociais quanto pelas “elites espirituais”, que até hoje lhe tratam como uma entidade marginal.

A figura do pelintra representa o fracasso de uma sociedade moderna e moralmente colapsada. Ele é fruto do rejeito social e, como tal, age em favor dos seus iguais – os desprezados e invisíveis socialmente. Seu Zé começa onde termina a justiça e a dignidade do ser humano e o seu trabalho merece todo o respeito. É um guia de luz, sim senhor! E está sempre presente na vida dos mais necessitados, que clamam pela sua ajuda e invocam o seu poder.

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