Já há algum tempo terminei a leitura do livro Espiritualidade Indígena e Culto a Jurema no Rio Grande do Norte, do Mestre Rômulo Guyraúna. Posso afirmar que o livro é uma sumidade. Simplesmente, é um dos melhores trabalhos contemporâneos de pesquisa sobre a Jurema e a Umbanda no Rio Grande do Norte. O livro trata sobre a ancestralidade indígena e cabocla de maneira muito abrangente, com fontes robustas e um rico trabalho de campo.
Neste artigo, vamos resenhar essa obra e passar nossas impressões. Contudo, vai ser impossível não dar alguns spoilers sobre o conteúdo, então, estejam avisados.

Descrição da Obra
O livro Espiritualidade Indígena e Culto a Jurema no Rio Grande do Norte é uma obra bastante original na sua proposta. Ele traz uma carga muito rica das experiências do autor, justaposto aos resultados das suas pesquisas de campo e uma extensa pesquisa bibliográfica. O livro é bastante minucioso sobre o tema abordado e é notável o esforço do autor em prover o máximo possível de informações fidedignas.
Apesar de não ser uma obra muito extensa (82 páginas), é carregada de informações a respeito da vivência prática na Umbanda e no Catimbó-Jurema. Muitas dessas informações não são inéditas, mas foram quase esquecidas ou negligenciadas ao decorrer do tempo. O Mestre Rômulo consegue fazer um resgate dessas práticas e conectá-las com o mundo contemporâneo.
De linguagem simples e acessível, podemos considerá-la como uma obra bastante agradável e de fácil leitura. É uma narrativa das próprias vivências do autor, suas pesquisas e considerações. Isso nos coloca em um ambiente de muita familiaridade e proximidade emocional com o texto, fazendo o livro ser bastante didático.
A Questão do Caboclo
O livro começa abordando uma problemática bem interessante: a questão do caboclo. Isso é especialmente importante, pois o caboclo é a figura central que ampara o culto à Jurema no Rio Grande do Norte. Apesar disso, é dito que no referido estado não existem indígenas e, muito menos, que cultuam a Jurema.
Mestre Rômulo mergulha nessa questão e nos traz uma resposta honesta e sensata, baseada no contexto histórico e social do Rio Grande do Norte: sim, existem indígenas que cultuam a Jurema. Mas, deixa claro que o caboclo nordestino é diferente do estereótipo ao qual estamos acostumados.
Via de regra, o caboclo nordestino é um camponês que, embora sedentarizado, possui hábitos indígenas. Católico, mas fortemente apegado ás crenças religiosas populares. É guiado por misticismo extremamente sincrético, em que mistura a crença nos Orixás, Entidades de Umbanda (caboclo, preto velho, erê, exu, etc.), Mestres Desencarnados, Encantados da Natureza e Santos Católicos.
O Culto à Jurema
Depois de passar pela questão do Caboclo, Mestre Rômulo traça algumas consideração sobre magia, feitiçaria e religiosidade afro-brasileira, para então aprofundar no culto à Jurema Sagrada. Através das suas pesquisas, ele mostra de forma veemente que o culto à Jurema é de origem indígena e cabocla.
Intrinsecamente atrelada ao uso do tabaco, o culto a Jurema se desenvolve em uma série de ritos na qual ela esta presente. Desde a Jurema de Mesa no Catimbó, passando pelo Toré e as Mesas de Toré, até às Gira de Jurema na Umbanda, se manifestam os Caboclos, Mestres e Encantados.
O Culto à Jurema faz uso de vários elementos, em especial, do transe mediúnico, do tabaco, do cachimbo, do maracá e das ervas com finalidades terapêuticas. Tudo isso é muito bem detalhado, com profundidade, citações literárias e referências pessoais.
A Pesquisa de Campo
Entre os pontos fortes da obra está a pesquisa de campo e a experiência do autor. Esse fator é especialmente relevante, pois essa experiência rica e diversificada é insubstituível. Ela mostra um panorama atualizado sobre uma espiritualidade real que é vivida longe dos holofotes da internet e da vida pública.
São relatos de experiencias vividas em rituais e cerimônias, sob o olhar de antigos mestres e mestras do saber espiritual. Portanto, são relatos bastante particularizados dessas experiências que colocam em flagrante determinadas narrativas que nós vemos na rede.
Os constantes relatos de exeriências e menções a sacerdotes e comunidades indígenas, seus ritos, entidades e costumes. Os encontros e desencontros dos mestres juremeiros com a Umbanda, incluindo o processo de federalização dos terreiros e a menção a uma Mestra Pomba Gira. E ainda outras coisas que mostram a riqueza e a diversidade de ritos e práticas espirituais presenciados pelo autor.
A Pesquisa Bibliográfica
O último capítulo, que fala “Dos Cultos Indígenas a Jurema Sagrada” toma pouco menos da metade do livro (umas 30 páginas). Ele é especialmente memorável, pois narra toda a história do culto a jurema e da espiritualidade indígena, desde o século 16 aos dias atuais. E o Mestre Rômulo faz isso através de uma minunciosa pesquisa bibliográfica, que reúne fontes primárias pouco conhecidas junto ao trabalho de renomados pesquisadores sobre o tema.
O capítulo cita, além dos clássicos de leitura fundamental sobre o assunto, como Câmara Cascudo e Roger Beniste, alguns registros pouco lembrados, como a Missão de Pesquisas Folclóricas, dirigida pelo Mario de Andrade. Outros ainda são menos conhecidos.
Registros de clérigos, como José de Anchieta e Jean de Léry se cruzam ao de intérpretes e navegadores, como Roulox Baro. Isso sem falar nos registros do Triunal do Santo Ofício e relatos de outros autores contemporâneos, como Sergio Santiago e também da pesquisa acadêmica do próprio Mestre.
Opinião Pessoal
A obra é ótima. O livro traça um panorama histórico muito claro e bem definido, rico em detalhes e profundo pela qualidade dos registros.
O ponto-chave é que o Mestre consegue reunir fontes primárias e pesquisas antigas, explicando aquilo o que se passa nos terreiros e trazendo à luz certas coisas que estão caindo no esquecimento. Portanto, é um livro bastante atual e que dialoga diretamente com o espírito do nosso tempo e com a preocupação sobre o apagamento dessas culturas antigas.
Mais do que isso, o livro é um convite à reflexão sobre a origem de certas práticas juremeiras e, em sentido extenso, também das práticas umbandistas e da religiosidade popular do nordeste. Ele nos leva a pensar sobre a antiguidade dessas coisas, de como elas atravessam o tempo e vêm sendo transformadas ao decorrer dos anos.
Conclusão
O livro dispensa maiores comentários, a obra fala por si só. É uma leitura fundamental para quem é da religião ou pesquisa sobre o tema ou, ainda, para quem deseja aprender e se familiariar com as práticas e rituais de Jurema. Só leiam!
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